segunda-feira, 15 de novembro de 2010

É TEMPO DE PEQUI




Pequis roletados
jjLeandro · Araguaína, TO

É tempo de pequi (Caryocar brasiliense) no Tocantins. Essa maravilha do cerrado está presente em todo o estado, sendo componente da alimentação de todas as classes sociais. Desde a ocupação colonial tornou-se alimento nobre e indispensável da culinária tocantinense cuja safra é esperada com ansiedade pela população nos últimos meses do ano.

O pequi merece a nossa atenção desde pouco antes do meio do ano quando emite os primeiros sinais que deixam claro ao sertanejo se a safra será boa ou não. Isso mesmo. Como outras frutas do cerrado, entre elas o buriti, o pequi não tem uma produção constante ano após ano. Quando a árvore troca a folha verde-escura pela roupagem verde-clara no outono, é garantia de que a produção será boa.

E não dá outra. Ali pelo mês de julho estará florida, carregada de flores de filamentos e pétalas brancas.

Sabe o sertanejo que poderá valer-se de outros dividendos enquanto aguarda a produção garantida: várias espécies de animais procuram o pequizeiro para alimentar-se das flores que caem. Entre elas, caças nobres como o veado, a paca e o tatu. É empoleirar-se no pequizeiro durante a noite, no que por aqui chamam ‘espera’, para levar para casa a carne que será servida à mesa no dia seguinte. Como a prática é hábito transmitido há gerações, não há receio de destruição da fauna. Vale a garantia do alimento que, para muitas populações pobres do interior, é a única servida à mesa.

Quando o ciclo da floração é interrompido pelos frutos que intumescem nos cachos às extremidades dos galhos da árvore, praticamente desaparece a freqüência de caça. O sertanejo entretanto não se preocupa, as vitualhas voltarão a aparecer à mesa pouco tempo depois: durante a maturação dos frutos.
Entre outubro e novembro, a safra alcança o pico. Os pequizeiros carregados deixam desabar no chão com os ventos das chuvas as grandes frutas maduras. É quando os animais silvestres voltam a freqüentar as frondosas árvores e com eles os caçadores. A ‘espera’ volta a ser prática rotineira e o saboroso fruto bem se pode casar nas refeições a um assado de veado.

Bom é o pequi que cai

O sertanejo sabe que a fruta estará apta para o consumo quando cai do pé. Não deve colher os grandes frutos no cacho, pois acontece de a maioria assim colhida murchar e quando ‘roletada’ (abertura da casca com faca pela cintura) não desprender o caroço polpudo da casca.

O pequi caído do pé sofre a ação do calor do sol e do solo, amolecendo a casca. Após um ou dois dias, esse processo deixa-a tão mole que é capaz de dissolver ao toque da mão, liberando o caroço. Nem sempre o pequi nesse estágio pode ser aproveitado para o consumo humano, haja vista o risco de já estar contaminado pela putrefação. No entanto é alimento apreciado pelos animais silvestres. Tatus e pebas costumam enterrar o pequi para apressar a putrefação e liberar o caroço, voltando depois para degustar o fruto. Muitos assim enterrados e esquecidos nascem depois.
As feiras nas cidades tocantinenses, em outubro e novembro, exibem à venda os pequis colhidos no cerrado. Nas margens das rodovias são freqüentes sacos e mais sacos cheios dos frutos à venda para os motoristas.

Há muitas maneiras de comer o pequi. Os mais apressadinhos devoram-no cru, arrancando com a faca grandes lascas da polpa que comem com farinha – seca ou de puba. É um prato próprio para estômagos resistentes ou acostumados à ingestão. É desnecessário dizer o efeito colateral para pessoas não “aclimatadas”.

Versatilidade

Mas a culinária tocantinense reserva pratos variados para todos os gostos e estômagos cujo ingrediente principal é o pequi. Ele poderá unir-se ao arroz, ao feijão, à carne, ou solitário temperado com cebolinha e outros condimentos, com ou sem molho. Ah! A galinha caipira com pequi é o manjar dos deuses para os tocantinenses. Não somente aqui, sei, em Goiás também é muito apreciado. Mas falo de minha terra.

Quem pensa que a prodigalidade do pequi encerra-se na mesa subestima-o. A fruta pode ser aproveitada para extração do óleo comestível, que tem inclusive propriedades medicinais, licores e sucos. O caroço, ou somente a polpa extraída dele em tiras, pode ser usado para conserva.

Desde que o colonizador travou contato com o pequizeiro que lança mão de sua madeira para a construção ou transformação em carvão vegetal. Os pequizeiros maduros (velhos) forneceram ao longo de séculos de colonização boa madeira para currais e emprego em cavernas de embarcações na região do rio Tocantins.

Hoje, apesar da proteção estabelecida em lei, o pequizeiro é extremamente ameaçado pelo avanço agropecuário e emprego na indústria do carvão vegetal. Por causa disso, pode chegar um dia em que nem a sua tão decantada propriedade benéfica à memória será capaz de torná-lo lembrado pelas gerações futuras. Sabemos todos, e isso é chiste por aqui, que quem se delicia com o pequi é capaz de se lembrar da ingestão mesmo que arrote horas depois de tê-lo consumido. O gosto forte que retorna à boca é o responsável pela lembrança.
Fonte: www.overmundo.com.br

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